quarta-feira, 7 de abril de 2010

Verdade Tropical (parte I)

Quando completei 18 anos, meu pai e minha mãe me presentearam com uma caixa com os 30 discos lançados por Caetano Veloso. Desde criança lembro da música do baiano em minha casa. Mas a paixão que me tomou e que carrego até hoje por esse cantor, começou na Itália.

Em outubro de 1997 embarcamos, eu mais meu irmão João, num vôo da Allitalia para Roma. A irmã da minha mãe Ana Bustamante, que nos levou ao aeroporto, me presenteou com o livro do Caetano que acabava de ser lançado no Brasil, e que eu lamentava a impossibilidade de comprá-lo, visto que o seu lançamento estava programado para alguns dias depois do nosso embarque. Nos dias que antecederam nossa viagem, lembro-me dos jornais O Globo e o Jornal do Brasil, que naquela época ainda era um jornal de respeito, dedicando ao livro todas as páginas do Segundo Caderno. Na minha cabeça de 16 anos, a "Verdade Tropical" iria fazer o Brasil tremer, e eu alheio, embarcaria para a Itália. Não sei o porquê, mas o destino quis, que o livro aparecesse antes do previsto na minha frente poucos instantes antes de embarcar. Ana, que sempre me ajudou com os meus desejos culturais, sem rodeios, deu-me um exemplar. E ainda me comprou três fitas cassetes: duas do Caetano com Uns e Cores e Nomes, e a outra que continha o songbook do Dorival Caymmi.

Pensei comigo, agora sim eu posso embarcar. Levando o Brasil inteiro comigo, nos livros, nas fitas, no corpo e no violão que carreguei, voaria para a Itália para mais uma temporada. Apesar da curiosidade, tratei de adiar a leitura do livro do Caetano, pois também levava na bagagem de mão o livro do Zuenir Ventura 1968 O ano que não terminou, supunha que através dessa leitura, estaria melhor ambientado para encarar a "Verdade Tropical", e estava certo. Acabei de ler o livro antes de chegar a Roma. Desci do avião como se viesse para o exílio, o Brasil ficara para trás, só me restava habitá-lo por meio do meu novo livro, e daquelas três fitas cassetes.

Cheguei ao apartamento em que a minha família se instalara, e sozinho, no meu novo quartinho abri o meu livro encantado. A sensação que eu tinha é que enquanto eu lia, o Brasil inteiro, também lia o livro do Caetano. Já na introdução do livro, me deparava, pela primeira vez, com o nome que me serviria de inspiração nos meus estudos literários e musicais: José Miguel Wisnik. A partir daí, foi uma descoberta atrás da outra. Na Itália, eu descobria, principalmente, através do livro do baiano, o Brasil. E eu estava tão longe. O mesmo livro, conseguiu a proeza de introduzir um rapazola de 16 anos, na canção brasileira, na literatura brasileira, no teatro, na cultura de massa, na década de 50, 60, 70, 80, 90 guiado pelas memórias de um artista hiper-sensível, que não escondia, não mistificava e que passou a bater em minha porta convocando-me, mesmo quando estava a sonhar.

Pensava comigo: o Brasil deve estar pegando. E em Roma, passei a frequentar as lojas de música, a procura de discos do Caetano Veloso que encontrava, por vezes, na sessão de música latina, em meio a bundas e mulatas, dos discos de rumba e de lambada. Consegui o primeiro disco solo do Caetano. E ouvi na introdução: "Quando Pero Vaz de Caminha descobriu..." e era como se a música se apresentasse ao mundo pela primeira vez. Se 1968 tinha sido ano que não terminou, dada a promulgação do AI-5 que obstruiu todas as expectativas culturais e políticas que se apresentavam nesse ano capital para a cultura brasileira, a canção Tropicalia, mais uma vez parecia conduzir novos brasileiros pelos caminhos contra-culturais do Brasil, em suas contradições, suas dores e delícias, nos seus gritos e cochichos, pelas matas e mulatas, pela bossa e a palhoça, por Ipanema e Iracema, e tudo mais, que vá pro inferno. Ainda era preciso ouvir o viva. Conheci Clarice, entendi a Paisagem Útil, ainda me surpreendi com o fechamento do disco que proclamava no excelente rock Eles: "Os Mutantes são demais". Embarquei pelo livro no universo do artista que me surpreendia a cada disco que garimpava. Cheguei aos discos do exílio, e então nos aproxímávamos ainda mais, mesmo na distância do tempo e, aquilo tudo era radicalmente novo para mim e tinha certeza que também o era para milhares de jovens como eu, que educados pela MTV, contentavam-se com uma modernidade que não ultrapassava nunca, nem mesmo os Beatles.
É claro que todas essas descoberta que comecei a vislumbrar, atrapalhavam um pouco minha inserção no universo italiano. Mas, não era difícil perceber que a maioria dos italianos pouco se lixavam para os estrangeiros, principalmente aqueles que, provenientes do terceiro mundo, pareciam uma ameaça constante ao equilíbrio da raça européia . Caetano diria no exílio: "Ninguém é profeta longe de sua terra", e eu o entendi na Itália. Minha verdade pouco importava e diante do inverno europeu eu me refugiava num livro tropical, e na música tropicalista que me armava contra qualquer complexo de inferioridade que poderia me afligir.



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