domingo, 1 de setembro de 2019

100 CONSERTO CLARICE (parte 1)

No Brasil, desde Lispector, Clarice é também adjetivo. Clarice Falcão, duplo adjetivo: um nome. Uma assinatura. Roberto Correa dos Santos já nos ensinou a diferença entre o artista e o especialista. Clarice Falcão não é uma especialista. Artista, tem uma assinatura. Sua vida é já representação de seu mundo. Como canta em seu primeiro disco: 

Se não fossem os ais
E não fosse a dor
E essa mania de lembrar de tudo feito um gravador
Se não fosse Deus bancando o escritor

Se não fosse o Mickey e as terças-feiras
E os ursos panda e o andar de cima
Da primeira casa em que eu morei
E dava para chegar no morro só pela varanda

Se não fosse a fome e essas crianças
E esse cachorro e o Sancho Pança
Se não fosse o Koni e o Capitão Gancho
Eu não seria eu

Um mundo em constante transformação. Da mais tenra idade à maturação. Em rotação, em translação, sobrevoando a gravidade de uma mania em uma coisa só: monomania. Monomania é o nome de seu primeiro disco. Desde então, Clarice que já era reconhecida pelas suas participações no canal do Youtube Porta dos Fundos tornou-se um dos nomes mais interessantes da Nova MPB. Com um estilo singular de lidar com a palavra, a mais bem acabada expressão "millenial" na canção, Clarice enfileira hits, sem se repetir. 

A fórmula vencedora de Monogamia não mais serviria para o segundo disco, muito menos para o terceiro que encerra uma trilogia. Da monogania à promessa da cura: tem conserto. Teria conserto a monogania? Irá Clarice transcender à monogamia. Ainda não, mas está a caminho. E no mais, o que importa é que essa artista se deu ao mundo com o que veio, a monogamia, e continua se dando, ainda que, agora, contra-corrente. 

Em tempos igualmente duros, Vinicius já vaticinara: “porque a vida só se dá pra quem se deu” e Clarice em seu terceiro disco não poderia ser mais explícita: “hoje eu vou dar”. E se dá, e quando o artista se dá, o que se tem diante é um objeto-sim, não importa o que venha a tratar. É terapêutico, é pedagógico, é transformador. 







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