Ingresso caro, teatro quase lotado. Os setores com preços mais acessíveis, por ser o Gil, estavam cheios. Se bem que sessenta reais não é tão acessível assim. O meu ingresso eu ganhei e agradeço demais. Pude estar numa peça em que o papel principal estava reservado a voz do Gil - mas o violão...- é, o violão era o corpo adornado dessa voz que vinha lá de baixo, do palco do teatro que eu assistia do terceiro andar...A primeira frase da primeira canção do concerto do Gil: "Imagino-te já idosa", que ouvia com muito esforço e que tinha de tripicá-lo para ouvir o acompanhamento do violão, bem baixo no início do show, convocava à introspecção.
O grande artista, tocando e cantando com uma argúcia inacreditável, aliando precisão e inventividade de tal maneira, que só podemos acreditar que o tempo só lhe faz bem, ou então, que ele vai muito bem, obrigado. Mas a morte é forte e envelhecer é caminhar ao seu encontro e Gilberto Gil, que em dado momento do show se declara um homem velho, vai conversar francamente com ela. Por todo show, em diversas canções, está presente a rosto frio da morte, que incomoda o público deixa-o angustiado, desassossegado. Talvez por isso, duas senhoras tagarelas a minha frente, e principalmente nas canções mais introspectivas, não paravam de falar. E eu tinha ganhado o ingresso, enquanto muitos não puderam pagar, e quase um Iogue, ainda conseguia me concentrar. Eu jogava a minha atenção toda pro palco as vezes chegava, ficava, velava e acordava. Depois voltava a velar. Tenho a impressão de que o som tenha começado baixo de propósito. Ouvi uma vez uma história da Nara Leão que dizia que ela achava que se o teatro estivesse muito barulhento, a melhor solução não seria cantar mais alto, e sim, cantar mais baixo, que então as pessoas vão se desapegando do turbilhão de ruídos que as envolve cotidianamente e vai ficando bacana. Talvez tenha sido esta a estratégia do Gil, bem sucedida por sinal, mas talvez nós do terceiro andar não tenhamos servido de parâmetro para as equalizações, e lá embaixo estivesse um pouco melhor. Mas foi crescendo, crescendo, novos músicos, crescendo, e Gil conseguiu velejar pelo rio Letes levando sua tripulação, até chegarmos a terra firme, no sertão de Lamento Sertanejo.
Uma interpretação surpreendente de Panis et Circensis para o Caetano e para o Arnaldo que também devia estar lá. Meio sol, meio lua. Inicia-se toda solar, da maneira que vem sendo ao longo dos anos gravada, e o que era vida, o que denunciava a morte em vida das pessoas da sala de jantar, nos sufoca diferentemente com a suspensão da palavra morrer na frase: "mas as pessoas da sala de jantar, são ocupadas em nascer e morreeeeeeeee(...)eeeeeeeer", alongando-se o máximo que pode como a própria vida. ( continua amanhã)
Pedro a mamae enviou umas palavras muito bonitas depois que leu o seu texto, mas infelizmente nao foi enviado. Houve um erro no envio. Mas ela disse que gostou muito do texto, de como voce colocou de forma poetica aquele nosso encontro no Central e como ela esta contente com voce e a Luana!
ResponderExcluirbeijos
Lu da matriz