sábado, 1 de maio de 2010

Gilberto Gil no Cine-Theatro Central ( Parte 2)

Lembro-me ainda de ouvir Gil cantando, tocando, cantando, assobiando e pontuando com gritos, Rouxinol, do seu maravilhoso álbum de 1975 Refazenda, o mais lembrado no show, sendo lembrado ainda em Lamento Sertanejo e Tenho Sede de Anastácia e Dominguinhos. Gil ao retornar ainda mais um pouco no tempo, ao seu primeiro álbum gravado no Brasil depois do exílio londrino, homenageia Jackson do Pandeiro com Chiclete com Banana, de Gordurinha e Almira Castilho e com o violão primoroso da faixa que dá título ao disco Expresso 2222, que finalmente nos leva para além da morte. E todos embarcamos.

Gil conseguiu passar por um caminho complicado e profundo em seu expresso. Uma temática pesada como pedra, mais pedra que pluma, o contrario do que diz a sua filha na ocasião do casamento dela, através da canção cantada também no show, em que aconselha ao casal a leveza, mas não esconde o seu avesso.

Gil se acompanhou no seu show por seu filho Ben, e o violoncelista Jaques Morelembaum. O que se via era o encontro de dois excelentes músicos. Gil um dos músicos que melhor representam a escola popular e de outro o maestro Morembaum, que já foi Cellista Clássico, mas que há muitos anos introduz o Cello na música popular brasileira, Jaques já tocou com o grupo A Barca do Sol, com Egberto Gismonti, com Tom Jobim e Caetano Veloso, e agora vem com Gil, só para citarmos apenas 5. Ben ajuda Gil a compor o acompanhamento do seu vigoroso violão, com umas sutilezas, muito bem ensaiadas que são fundamentais nessa pequena orquestra de câmara popular, como diria, a próposito deste show, o próprio Gilberto Gil: "uma orquestra de cordas, doze cordas dos dois violões, quatro cordas do Cello, mais as duas cordas vocais da voz", que aliás chegam a nos espantar com suas possibilidades.

Nesse itinerário, voltamos a África invocada em La Renaissance Africaine. Imediatamente ligava O Renascimento Africano a Gil. Uma voz da diáspora, sempre batalhadora e otimista. E quando chegamos, capitaneados por Gil, à Africa quem está lá para nos receber? Sim, Milton Nascimento. Tivemos a graça de ver reunidos dois gigantes da música popular brasileiro, negros brasileiros, a face negra dos dois mais importantes movimentos da música brasileira depois da Bossa Nova, que se uniam em Africa. Tocaram Sebastião, do álbum que gravaram juntos, que nos animava bastante por ver o tímido Milton Nascimento cantando bem com a sua voz poderosa, uma dádiva mística. E vão se embora eles cantando Abapá Alapalá, como num rito afro-brasileira, nos envolvem, nos enfeitiçam e nos convidam a dançar. Nessa hora deixei minha cadeira, fui pra beira das alamedas ficando pertinho do palco e de uma caixa de som. E assisti lá embaixo Gil e Milton passeando por entre o público entoando o canto ritmado e benzendo as pessoas. Num transe redentor, fixava-me nos músicos e respondia com o corpo a todas as questões desse espetáculo profundo, dançava pois não há melhor maneira de se sentir esse som todo. Velava, singava, e agradecia.

Um puxão no meu braço e o segurança, interrompendo um bom sonho, me afastou do meu lugar. Já era hora de voltar da inversão que o grande Gilberto Gil nos oferecia.

Vai com Deus Gil, leve essa inversão maravilhosa para o mundo todo. Daqui nos orgullhamos e esperamos pacientes, quantos forem necessários os anos, a sua volta.

Um comentário:

  1. Pedro, muito lindo os seus dois textos sobre Gil, sobretudo o segundo. Eu o aconselharia a dar uma última revisada e mandar para o jornal Tribuna de Minas, como artigo. Acho que vale a pena. Estou impressionado com a qualidade de seus textos. Você está colecionando maturidade... Vá em frente com alegria...

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